sábado, 19 de maio de 2012

Desenvolvimento ao longo da infância e adolescência (Parte III)

Na parte I e II mencionamos algumas vezes Jean Piaget. Explicamos que foi em grande parte devido ao conhecimento resultante das suas investigações, que se percebeu que existem diferenças qualitativas entre as estruturas intelectuais da criança e do adulto e até demos a entender que o desenvolvimento cognitivo pressupõe a passagem por diferentes etapas ou fases, quando referimos que o inicio da adolescência coincide com a entrada no estádio operatório formal.
Nesta publicação vamos então falar sobre a teoria de desenvolvimento cognitivo de Jean Piaget e explicar com base nessa teoria como é processado e adquirido o conhecimento, bem como caracterizar cada um dos quatro estádios de desenvolvimento.
Em primeiro lugar vamos definir conhecimento como o processo de construção das estruturas mentais (cognitivas) e por esse motivo é importante esclarecer que para Piaget o conhecimento é uma construção ativa do sujeito. Essa construção é feita através da interação com o meio e por esse motivo o conhecimento  não é adquirido de forma passiva, nem simplesmente atualizado. Segundo o construtivismo, que é a base para esta teoria, o sujeito responde a estímulos externos agindo sobre eles para construir e organizar o seu próprio conhecimento de forma cada vez mais elaborada, ou seja tudo o que aprendemos está relacionado com aquilo que já tínhamos aprendido anteriormente.
Agora que definimos o conceito de conhecimento, e que já explicamos que a sua construção resulta de um processo de interação dinâmico entre o sujeito e o meio, podemos então explicar como ocorre este processo e quais os fatores intervenientes.

Mecanismos de adaptação ao meio: Assimilação, Acomodação, Equilibração

Da nossa breve introdução queremos destacar dois pontos:
1º As estruturas cognitivas do ser humano não são inatas mas sim construidas
2º Essa construção é feita através da interação com o meio

Antes de explicar como são construidas as estruturas mentais do ser humano, vamos tentar explicar como a informação é processada pelo nosso cérebro.


O ser humano organiza o mundo através das suas estruturas cognitivas e podemos tentar imaginar essas estruturas como sendo pequenas árvores que representam grupos de informação relacionados entre si.

Cada árvore representa um esquema mental, e os seus ramos são as características comuns e invariáveis que representam determinado objeto. Por sua vez os seus ramos também se associam entre si formando circuitos de informação.
Por exemplo ao mencionarmos a palavra "animal" rapidamente ativamos vários esquemas mentais de alguns animais que conhecemos. Se formos mais específicos e mencionarmos animal de quatro patas com pêlo, já passamos para esquemas mentais mais específicos, e se terminarmos dizendo animal de quatro patas com pêlo que ladra, rapidamente imaginamos um cão.
É através desta associação e ativação de esquemas mentais que o nosso cérebro processa a informação, e as ramificações dos nossos esquemas mentais vão evoluindo à medida que somos confrontados com novos estímulos do meio, transformando os nossos esquemas em estruturas cada vez mais complexas.
Segundo Piaget, neste processo de desenvolvimento intervêm fatores influenciadores (hereditariedade, experiência física e transmissão social), e um fator determinante, o processo de equilibração.
Antes de explicarmos em que consiste o processo de equilibração é necessário contextualizar os dois processos sobre os quais a equilibração actua: o processo de acomodação e o processo de assimilação.

Assimilação ocorre quando a criança consegue incorporar um novo estimulo ou uma nova experiência num esquema mental que já possui. Por exemplo a criança já possui o esquema mental de cão quando vê um cavalo pela primeira vez. Embora para nós que já possuímos esquemas mentais para cavalos e cães achamos que as diferenças entre os dois são óbvias, quando a criança vê o cavalo pela primeira vez vai tentar rapidamente associar aquele novo estímulo aos esquemas mentais que já possui. Neste caso devido às semelhanças existentes entre os dois animais (têm ambos quatro patas, pêlo, cauda etc) a criança ao ver o cavalo vai considerar que está na presença de um cão. Ou seja existe assimilação quando os novos estímulos e experiências são absorvidos pelas estruturas mentais já existentes.

Já a Acomodação ocorre quando a criança não é capaz de assimilar os estímulos do meio através dos esquemas mentais que já possui. Voltando ao exemplo anterior, a criança iria chamar cão ao cavalo, no entanto um adulto neste momento podia intervir dizendo que ela estava na presença de um cavalo (processo de transmissão social) e não de um cão. Neste momento a criança iria acomodar esse estimulo num novo esquema mental, construindo assim novo conhecimento e uma nova forma de organizar o mundo. Ou seja ocorre acomodação quando "crescem" novas ramificações nos esquemas mentais já existentes, ou quando são criados novos esquemas. Em ambos os casos ocorrem mudanças internas nas estruturas cognitivas da criança.

Piaget deixa bem claro que os processos de acomodação e assimilação não ocorrem de forma isolada. Por um lado para haver assimilação significa que já existem estruturas internas criadas, ou seja, já aconteceram acomodações anteriormente. Por outro lado também não ocorre acomodação sem assimilação na medida em que não estamos simplesmente a criar os esquemas mentais a partir do zero, estamos sim a fazer sucessivas diferenciações. Voltando ao exemplo anterior, a criança não cria um esquema de raiz para o conceito de cavalo, ela inicialmente assimilou todas as características comuns no esquema que já possuía de cão (quatro patas, pêlo, cauda etc) e depois simplesmente especializou o esquema mental para incorporar o conceito de cavalo tendo em consideração as novas características (diferença de tamanho etc). Quando fizemos a analogia entre esquemas mentais e árvores, explicamos que os ramos seriam as características invariáveis de cada objeto ou ação, e também referimos que os ramos se associam entre si criando circuitos de informação. Estas associações são o resultado de especializações o que significa que no nosso exemplo do cão e do cavalo, o resultado mais provável da acomodação do conceito de cavalo seriam três esquemas mentais interligados entre si. Um esquema representa os animais de quatro patas com pêlo e cauda, que por sua vez se iria especializar e ligar a mais dois esquemas com base nas suas características especificas, o cão e o cavalo. Ou seja o desenvolvimento cognitivo da-se através de sucessivas equilibrações entre assimilação e acomodação, resultando em esquemas mentais cada vez mais estáveis que possibilitam uma eficiente interação entre a criança e o seu meio-ambiente.

Estádios de Desenvolvimento

Agora que já explicamos como é processado e adquirido o conhecimento, vamos falar sobre os estádios de  desenvolvimento. Em primeiro lugar é importante referir que a passagem por casa estádio respeita uma sucessão invariável, ou seja, para chegar ao quarto estádio de desenvolvimento a criança teve de passar com sucesso pelos três estádios anteriores. No entanto embora a sucessão seja fixa, a data cronológica de entrada e saída de cada estádio (embora seja mais ou menos regular), não precisa de ser constante pois depende das características biológicas do indivíduo, bem como de fatores sociais e educacionais. O que é absolutamente obrigatório é o desenvolvimento de estruturas mentais em cada um dos estádios que ao serem refinadas e tornando-se cada vez mais complexas e eficazes permitem a entrada nos próximos estádios, reforçando assim a ideia de construção de conhecimento.

Estádio Sensório-Motor (0-2 anos):
Como o próprio nome indica este estádio é muito prático, já que a criança faz uso essencialmente da sua inteligência prática. Os esquemas criados nesta fase são essencialmente esquemas de ação que permitem à criança interagir com os objetos que a rodeiam, ou seja a criança nesta fase da sua vida constrói o seu conhecimento através de ações físicas tais como sacudir objetos etc. Talvez o aspeto mais marcante deste período seja a aquisição da noção de permanência do objeto (a criança procura um objeto escondido porque tem a noção que o ele continua a existir mesmo quando não o vê). Sem esta aquisição a criança não poderia passar para o estádio seguinte.

Estádio Pré-Operatório (2 - 6/7 anos):
Os esquemas de ação desenvolvidos no estádio anterior são refinados, e a criança vai aprendendo a realizar tarefas mais especificas como segurar num lápis e fazer desenhos. A característica mais importante deste estádio é o uso da função simbólica. A criança passa a ser capaz de criar esquemas mentais que representam objetos, desta forma deixa de ser dependente exclusivamente das suas sensações para interagir com o mundo, e passa a ter a possibilidade de através de palavras e desenhos (ou seja símbolos) referir-se a objetos que podem nem estar presentes no local em que ela se encontra (imagem mental).
A linguagem é sem duvida uma das mais importantes manifestações desta "inteligência simbólica", mas esta também é a idade do jogo simbólico (onde a criança imita comportamentos, finge que está a dormir etc) e do desenho (onde um risco pode representar um avião etc).
Este estádio pode ser dividido em dois sub-estádios, o pensamento pré-conceptual (2-4 anos) e o pensamento intuitivo (4-6/7 anos).
O primeiro sub-estádio é marcado pelo egocentrismo da criança, que é incapaz de ver as coisas de outro ponto de vista que não o seu. Nesta fase a criança tenta compreender o mundo com base nas suas próprias emoções e vivências, e por esse motivo é normal acreditar que a noite existe para ela ir dormir, ou que o cão ladra porque está com saudades da mãe. É uma fase mágica na vida da criança, no entanto é importante que a partir aproximadamente dos cinco anos, o adulto não reforce mas sim atenue estes conceitos.
O segundo sub-estádio é marcado pela necessidade que a criança tem de usar os seus sentidos para avaliar as situações. Por exemplo uma criança não é capaz de perceber que a quantidade de água permanece constante independentemente do formato do copo.

Estádio das Operações Concretas ( 6/7 - 12 anos):
A criança consegue ultrapassar o egocentrismo que caracterizava o estádio anterior, e começa a ver o mundo com mais realismo uma vez que foi aprendendo a distinguir fantasia da realidade ao longo do estádio anterior. No entanto a principal característica deste estádio é a aquisição do pensamento lógico. Não é por acaso que a entrada neste estádio coincide com a entrada na escola formal, já que a criança está agora preparada para iniciar um processo de aprendizagem sistemática. Os seus níveis de concentração aumentam e o seu pensamento fica mais estruturado, no entanto ainda não desenvolveu capacidade de abstração e por esse motivo embora seja capaz de resolver problemas precisa de estar em contacto com a realidade, ou seja é muito importante ensinar a criança através de exemplos e situações concretas.

Estádio das Operações Formais (dos 12 anos em diante):
A ultima fase de desenvolvimento. Segundo Piaget o amadurecimento biológico do adolescente (mais informações sobre este tema na publicação anterior) permite a aquisição das operações formais que representam o ponto máximo no desenvolvimento cognitivo. A principal característica deste estádio é a capacidade de pensar de uma forma hipotético-dedutiva, ou seja o adolescente adquire uma enorme flexibilidade de pensamento e pode movimentar-se entre a realidade e o concreto, para o que "poderia ser". Nesta fase a capacidade de pensar de forma lógica adquirida no estádio anterior é refinada, e passa a ser possível trabalhar com ideias e conceitos abstratos, ao contrário do estádio anterior onde a criança só conseguir resolver problemas com exemplos concretos.
Esta é a fase das grandes mudanças, das grandes teorias e dos grandes projetos onde o adolescente consegue formular e verificar hipóteses, e adquire a capacidade de reflexão.
Nesta fase surge uma nova forma de egocentrismo, desta vez numa vertente mais intelectual, onde o adolescente acredita que as suas ideias e convicções são as melhores e que pode mudar o mundo pela palavra e pelo poder ilimitado do seu pensamento.

Conslusões Gerais

Destacamos da teoria de desenvolvimento cognitivo de Jean Piaget a construção progressiva do conhecimento, que vai atingindo níveis cada vez mais complexos e elaborados, e a forma como essa evolução se processa, sendo o resultado de uma construção ativa do sujeito que reage aos estímulos do meio e se adapta à realidade.
Ao longo desta publicação demos apenas exemplos de esquemas mentais que representavam conceitos (esquema de animal, cão, cavalo), no entanto o mesmo se aplica para os esquemas de ação. Ou seja, quando falamos em aprendizagem motora, a forma de elaborar os esquemas mentais que representam as ações que pretendemos no treino por exemplo é a mesma. Isto significa que é de enorme importância fornecer estímulos adequados e variados ao longo das aulas de educação física e do treino,  para que os esquemas mentais sejam construidos de forma progressiva atingindo níveis cada vez mais complexos que permitam à criança/atleta atingir patamares de qualidade cada vez mais elevados.
Aprender significa realizar uma mini mudança nas nossas estruturas cognitivas, logo não é possível saltar etapas no treino e também não faz sentido tentar exigir algo para o qual os nossos atletas/alunos ainda não estão preparados.


Podemos ver neste vídeo um excelente exemplo do uso de um método de treino/ensino que tem em consideração a fase atual de desenvolvimento de um bebé, e tira todo o partido das suas características e capacidades que lhe permitem uma boa aprendizagem de instintos de sobrevivência.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Desenvolvimento ao longo da infância e adolescência (Parte II)

Nesta publicação vamos dar continuação ao estudo do tema "Desenvolvimento ao longo da infância e adolescência". No post anterior focamos essencialmente o desenvolvimento motor e sensorial do recém-nascido, agora vamos concentrar a nossa atenção num dos períodos mais críticos do desenvolvimento humano: a adolescência.
A adolescência foi durante muito tempo associada a acontecimentos meramente biológicos. Adolescência e puberdade representavam sensivelmente a mesma coisa. Atualmente a entrada na adolescência é de facto marcada pelo inicio da puberdade, que ocorre por volta dos 11-12 anos nas raparigas e entre os 13-14 nos rapazes, mas o seu fim e a respetiva entrada para o mundo adulto não tem um período cronológico bem definido. Isto acontece porque o termo adolescência passou de um sentido restrito para um sentido lato, e é esse conceito mais abrangente que interessa à psicologia do desenvolvimento, onde a adolescência assume sobretudo uma conotação psicossocial.
Neste blog usaremos o conceito moderno de adolescência, ou seja, uma etapa do desenvolvimento humano onde para além de todas as mudanças biológicas ocorrem inúmeros ajustes a nível pessoal e social, onde o indivíduo procura edificar a sua identidade, e luta pela sua independência e autonomia.
À semelhança do que fizemos anteriormente, vamos contextualizar algumas das varias dimensões do desenvolvimento ao longo da adolescência. Optamos por abordar o desenvolvimento físico e cognitivo, e vamos tentar de forma implícita relacionar o desenvolvimento sócio-afetivo com essas duas dimensões.

Desenvolvimento Físico

Como referimos anteriormente a entrada na adolescência é marcada pelo início da puberdade. Durante esta fase ocorre uma multiplicidade de transformações fisiológicas que têm um impacto profundo na imagem e capacidade física do adolescente.
Estas mudanças são progressivas e ocorrem num período de 3 a 4 anos, no entanto o crescimento rápido de certas áreas do corpo resultam numa fase em que o adolescente parece descoordenado e pouco proporcionado. Por exemplo nos rapazes existe um rápido crescimento das pernas e dos braços em comparação com o tronco, já nas raparigas o crescimento resulta em ombros estreitos e ancas largas, e pernas curtas comparativamente ao tronco.
É muito importante estar atento à forma como o adolescente reage às mudanças na sua imagem, porque nesta fase as reações e atitudes dos outros têm um impacto significativo na construção da sua identidade. Os adolescentes são muito sensíveis a estereótipos e padrões de beleza, e a perceção que têm do seu corpo tem um efeito determinante na sua auto-estima. Normalmente estes problemas têm tendência a desaparecer com a definição da sua identidade, que também ocorre na adolescência, no entanto por vezes uma má relação com a sua aparência física pode ter efeitos devastadores na formação da sua personalidade, resultando em depressões, tendência para o isolamento e distúrbios alimentares.
Durante a puberdade, para além das mudanças visíveis de crescimento a nível ósseo e muscular, também ocorre um aumento do tamanho do coração e dos pulmões, o que resulta numa capacidade para desempenhar atividades físicas mais exigentes. Este aumento das capacidades físicas, aliado a uma sofisticação cognitiva (que já iremos explicar com maior pormenor), torna esta época muito propícia para o treino de técnicas específicas das modalidades desportivas.
A puberdade também representa a maturidade sexual. O adolescente adquire a capacidade de se reproduzir devido à evolução do sistema reprodutor. As raparigas têm a primeira menstruação, e os rapazes desenvolvem a capacidade de ejaculação. Para além destas mudanças, destacamos também  o aumento do tamanho do pénis nos rapazes e o aumento dos seios nas raparigas. Os adolescentes são particularmente sensíveis a estas mudanças já que simbolizam a sexualidade.

Desenvolvimento Cognitivo

Segundo Piaget é por volta dos 12 anos (que coincide com a entrada na adolescência), que se entra no ultimo estádio de desenvolvimento cognitivo. Iremos abordar as teorias de desenvolvimento cognitivo de Jean Piaget com maior pormenor em futuras publicações, para já fica apenas a referência que o último estádio de desenvolvimento é o estádio operatório formal.
O amadurecimento biológico do adolescente torna possível a aquisição de uma nova forma de pensar. Com o inicio do pensamento formal, o adolescente passa a ser capaz de raciocinar de forma lógica e abstrata, e é esta nova capacidade de realizar operações a um nível conceptual e verbal que lhe permite avaliar o mundo de uma forma completamente diferente. De facto é nesta fase que se torna possível o pensamento hipotético-dedutivo, e com esta nova capacidade o adolescente transforma-se num agente ativo de mudança e passa a criar hipóteses para solucionar problemas. Esta é a fase das reflexões, das ideias e das possibilidades, onde o planeamento do futuro assume especial importância na sua vida. Existe a necessidade de criticar a realidade em que vive e lutar por um mundo justo que esteja de acordo com as suas crenças, e é esta forma de ver o mundo que faz dos adolescentes a esperança da evolução social. No entanto esta forma de pensar e ver o mundo é muitas vezes exagerada, segundo Piaget, nesta fase da vida a possibilidade é mais importante do que a realidade, e o sentimento de que têm a solução para todos os problemas resulta num egocentrismo cognitivo. Com o amadurecimento o adolescente vai percebendo o que pode e o que não pode fazer, e é muito importante nesta fase ajudar a gerir as expectativas pois o idealismo inicial pode dar agora a uma sensação de frustração e impotência, quando percebe que nem sempre pode gerar a mudança que quer ver no mundo.
O sistema de valores também sofre alterações, as mudanças a nível intelectual e cognitivo passam a criar a tendência para questionar os conhecimentos adquiridos, o que pode por vezes criar conflitos dentro da família.

Conclusões Gerais

Como demos a entender na nossa introdução, a adolescência é sem duvida uma fase de grandes mudanças, que acabam por ser bastante favoráveis à pratica do exercício físico já que existem melhorias em várias dimensões. O adolescente fica com maior capacidade física e com um desenvolvimento intelectual superior, que lhe permite agora compreender e executar tarefas mais complexas a nível do treino.
No entanto esta é também uma das fases mais problemáticas da vida do individuo. Nesta fase onde a sua identidade ainda está em construção (iremos falar mais sobre isto nas próximas publicações) o adolescente está sujeito a enormes pressões e influências por parte da sociedade, com especial importância nas  relações de pares.
Talvez um dos aspectos mais problemáticos é que todas as mudanças não ocorrem ao mesmo tempo em todos os indivíduos. Um bebé por exemplo, não está minimamente preocupado se começa a caminhar mais tarde do que outro bebé, até porque nem tem capacidade para ter essa perceção. Já para o adolescente uma maturação precoce/tardia pode ter um impacto profundo no seu bem estar emocional, dependendo do feedback positivo ou negativo que recebe nas suas interações sociais.
Estudos revelam que a competência atlética e a aparência física desempenham um papel determinante na aceitação social. Os adolescentes mais competentes são mais facilmente aceites pelos pares, enquanto que os jovens com menos capacidades para além de terem uma maior dificuldade de integração também recebem menos oportunidades de se divertirem no jogos pois raramente são escolhidos para participar em atividades desportivas. Isto por sua vez pode conduzir a uma baixa auto-estima e ao afastamento precoce do desporto. Normalmente os rapazes são mais afetados por uma maturação tardia, já que isso vai afetar a sua competência física, por outro lado as raparigas são mais afetadas pela maturação precoce, devido ao aparecimento da menarca.
Como treinadores e professores para além de reprovar comportamentos negativos, como gozo entre os adolescentes, temos de apoiar os alunos e atletas de forma a reduzir as suas preocupações com o seu crescimento físico e sexual. Por outro lado temos de refletir sobre as nossas práticas e analisar se nós próprios não estamos a contribuir para realçar as diferenças que existem a nível maturacional. Por exemplo ao permitir a escolha de equipas por parte dos alunos, é muito comum os menos desenvolvidos ficarem para o fim pois têm menos capacidades, e ao permitir isto estamos a contribuir de forma indireta para a redução da sua auto-estima. Por outro lado, ao orientarmos o treino ou a aula de forma igual para todos os alunos, sem ter em consideração o seu nível de desenvolvimento podemos estar a criar frustrações para os que ainda não são capazes de realizar aquelas tarefas.
É portanto muito importante em primeiro lugar tentar promover valores como auto-superação para que todos estejam mais preocupados com o seu próprio desempenho e evolução, e valorizem menos a vitória ou a comparação com o outro, e por outro lado estar atento ao nível de maturação de cada aluno e identificar os seus pontos fracos/fortes e promover estímulos no treino que tirem partido das suas capacidades, de forma a que se sintam competentes e retirem prazer no desporto aumentando assim a auto-confiança, a auto-estima, e o seu envolvimento em atividades desportivas, que por sua vez facilitam a integração social.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Desenvolvimento ao longo da infância e adolescência (Parte I)

Ao longo das próximas publicações deste blog vamos debruçar-nos sobre o tema "Desenvolvimento ao longo da infância e adolescência".
Em primeiro lugar é importante referir que quando falamos em "desenvolvimento" estamos a considerar todos os aspetos deste processo, de forma a poder estudar o Homem como um todo. Logo se tivermos em consideração que o ser humano é de todas as espécies que habitam a Terra, a que demora mais tempo a atingir a maturidade, podemos facilmente adivinhar que estamos a falar de um processo bastante complexo. Por esse motivo é necessário estudar todos os aspetos físicos, cognitivos, emocionais, sociais e morais da evolução da personalidade do individuo, bem como analisar cada um deles em função da respectiva faixa etária.
Durante muito tempo as crianças foram consideradas "adultos em miniatura", no entanto sabe-se atualmente, e em grande parte devido aos contributos de Jean Piaget, que existem entre eles diferenças qualitativas. Ou seja, a forma de adquirir e estruturar conhecimento é feito de forma diferente à medida que vamos crescendo, e isto deve-se em parte ao processo de maturação do nosso organismo. Aliás esta é uma das possíveis explicações para o facto de as nossas memórias de infância irem apenas até aos 4 anos de idade. Estas diferenças podem ser tão significativas que uma simples diferença de 2-3 anos entre duas crianças podem significar formas bastante diferentes de ver e interagir com o mundo.
Mas já voltaremos a estes temas com maior pormenor, para já vamos começar por falar um pouco sobre o desenvolvimento físico.

Desenvolvimento Físico

Como se pôde perceber pela nossa breve introdução, o desenvolvimento é algo bastante complexo e existe a necessidade de dividir o estudo pelos vários aspetos que o compõem, bem como ter em consideração a faixa etária em que o individuo se encontra. Nesta primeira fase vamos abordar o desenvolvimento físico da criança, mais precisamente do recém-nascido.
Antes de mais, é importante esclarecer que desenvolvimento físico inclui o desenvolvimento motor, sensorial e nervoso. Optamos no entanto por falar com mais pormenor sobre o desenvolvimento motor e sensorial.

Desenvolvimento Motor

O desenvolvimento motor das crianças é feito de forma progressiva e sequencial, ocorrendo mais ou menos na mesma altura em cada criança. Importa no entanto salientar que o desenvolvimento motor é influenciado pela maturação biológica, que por sua vez é estimulada pela prática e estímulos do meio, como já vimos nas publicações anteriores deste blog. Por esse motivo o desenvolvimento motor pode variar um pouco de cultura para cultura, devido à diferença de estímulos. Ou seja uma criança pode começar a andar um pouco mais tarde do que outra, embora nada de muito significativo, mas o que nunca ocorre é alterações na sequência da evolução. Uma criança vai sempre aprender a sentar-se antes de aprender a gatinhar, e vai aprender a gatinhar antes de aprender a andar etc
Na imagem seguinte podemos ver mais ou menos a sequência das aprendizagens das capacidades motoras de uma criança, mas mais uma vez relembramos que embora cada fase ocorra sensivelmente na mesma idade em todas as crianças, uma evolução ligeiramente mais tardia não significa problemas de desenvolvimento.

























Neste momento já temos uma ideia geral de como se processa o desenvolvimento ao longo do tempo, mas vamos focar agora a nossa atenção em fases mais especificas, mais precisamente no momento do nascimento.
As capacidades motoras do recém-nascido nos primeiros dias de vida caracterizam-se essencialmente por um conjunto de reflexos inatos. Uns mais direcionados para a sobrevivência como respirar, engolir ou sugar, e outros mais primitivos como nadar ou agarrar objetos (podem ser os dedos de uma pessoa) que entrem em contacto com a sua palma da mão. Os reflexos direcionados para a sobrevivência mantêm-se ao longo da vida, já os primitivos têm tendência a desaparecer no primeiro ano de vida.
O desenvolvimento motor do bebé para além de sequencial como já referimos anteriormente, também segue  uma determinada tendência direcional, como se pode ver na figura seguinte:



Nesta imagem estão ilustradas 2 tipos de progressão:


Progressão Céfalo-Caudal: O desenvolvimento ocorre primeiro da cabeça para os pés (por exemplo os bebés controlam primeiro os movimentos da cabeça, e só mais tarde as mãos e os pés)

Progressão Próximo-Distal: O desenvolvimento avança do centro do corpo para a periferia (por exemplo a criança ganha primeiro controlo sobre o tronco e só depois braços e mãos)

Existe outro tipo de progressão que não está ilustrado na figura:

Progressão de ação concentrada para específica: Como o próprio nome indica, o bebé vai sendo capaz de efetuar movimentos mais precisos. Isto acontece porque existe uma evolução dos grandes para os pequenos músculos, e por este motivo os bebés começam a ser capazes de manipular objetos com maior controle por exemplo.

Agora que já temos uma pequena ideia de como se processa o desenvolvimento motor das crianças nos primeiros anos de vida, achamos que é também interessante ter uma ideia de como os bebés "vêem o mundo". Para isso vamos analisar o desenvolvimento sensorial do bebé.

Desenvolvimento Sensorial

Será que um bebé quando nasce já tem uma perceção do mundo equivalente à de um adulto?

A resposta é não. De facto alguns dos sentidos já se encontram desenvolvidos ainda antes do nascimento. Por exemplo estudos revelam que os bebés reagem de forma diferente quando ouvem histórias pela primeira vez, em relação a histórias que já tinham ouvido no útero. Através de um método experimental denominado "high amplitude sucking" os bebés chupam mais o mamilo que ativa a gravação da história que já ouviram no útero, sugerindo que preferem essa história.
O paladar parece também estar bastante desenvolvido à nascença uma vez que os bebés distinguem entre o doce e o amargo, e preferem o doce. Esta preferência pode ser vista facilmente como um mecanismo de sobrevivência já que o leite materno é bastante doce, e normalmente as substâncias tóxicas são amargas.
O olfacto também já se encontra bastante desenvolvido. Após alguns dias o recém-nascido que esteja a ser amamentado dá clara preferência a compressas com o odor do seio da sua mãe, em relação a compressas com o odor de outras mulheres que também estejam a amamentar, sugerindo que o olfato pode ser usado para reconhecer parentesco.
No que diz respeito ao tacto, os bebés parecem ter já alguma sensibilidade à pressão, à dor e à temperatura.
É na visão que o recém-nascido parece estar menos evoluído. A sua capacidade de focagem não vai além dos 30cm (é como se o bebé fosse "míope"). Inicialmente as imagens são manchas pretas e brancas em tons de cinzento, e só depois começa a identificar o vermelho, depois o verde, e por ultimo o azul e o amarelo, só mesmo a partir dos 6 meses é que consegue ter uma perceção das cores idêntica à de um adulto.
No entanto mesmo com todas estas dificuldades, o bebé já tem alguma perceção de padrões e formas, preferindo claramente padrões em movimento e faces humanas, e desde que gatinham (6-14 meses) já têm alguma noção de profundidade, o que pode ser útil por exemplo para evitarem quedas.
Todos os sentidos vão sendo refinados com o passar do tempo, especialmente ao longo dos primeiros 2 anos, já que durante este tempo os sentidos são o principal meio de interação do bebé com o mundo, como já iremos ver mais tarde quando abordarmos o tema "desenvolvimento cognitivo da criança".

Nota sobre esta publicação

Como prometido inicialmente, e como tem sido hábito ao longo deste blog, damos sempre a nossa perspetiva como futuros profissionais na área do desporto. No entanto como esta publicação está muito relacionada com o recém-nascido e não vamos obviamente iniciar um bebé na prática desportiva é difícil estabelecer uma relação com a nossa área profissional, para além de que nesta fase da vida são os pais que estão com os bebés. Achamos no entanto que se trata de um tema bastante interessante, e dai esta publicação.
A única coisa que podemos fazer é alertar para todas as mudanças que estão a ocorrer no bebé nesta fase da sua vida, sendo importante fornecer estímulos adequados para um bom desenvolvimento de todas as suas capacidades motoras, mas salvo casos de negligência e maus tratos (relembramos o caso Genie) tudo deverá ocorrer sem problemas.
Futuramente, e como o desenvolvimento motor é deveras importante para qualquer professor de educação física ou treinador, voltaremos a este tema com maior pormenor.