sexta-feira, 16 de março de 2012

Estudo de Caso: Genie - Hereditariedade vs Meio

Nas ultimas aulas iniciámos a abordagem ao tema "Hereditariedade vs Meio". Começámos por assistir ao documentário "Secrets of the Wild Child" que retratava o caso de uma criança que viveu praticamente os seus primeiros treze anos totalmente isolada da sociedade. 
Genie, nome pelo qual passou a ser conhecida, quando foi encontrada praticamente não falava, não andava, nem era capaz de comunicar com outras pessoas. O seu caso atraiu o interesse da comunidade científica, que aproveitou a oportunidade para tentar perceber se uma criança é ou não capaz de aprender a falar em qualquer fase da sua vida, ou se existe realmente um período crítico como defendia Noam Chomsky.

O que nos torna Humanos? 
O que determina o nosso comportamento? Existem realmente períodos críticos para desenvolver determinadas capacidades, como a linguagem? 
Existem pessoas geneticamente superiores e com maior potencial, de tal forma que as políticas eugénicas fazem sentido?
Achamos que a ideia de "determinismo genético" já está completamente ultrapassada. Obviamente que o nosso comportamento não está irremediavelmente definido pelo nosso genótipo, mas até que ponto bastará a interação com o meio ambiente, por mais rica e estimulante que seja, para definir a nossa personalidade e os nossos comportamentos?

Já  voltaremos a estas e outras questões mas vamos por breves momentos esquecer a dicotomia hereditariedade vs meio e voltar ao caso Genie. No final do documentário é levantada a questão sobre os riscos de se realizar a "experiência proibida".
"Se queremos fazer uma pesquisa científica rigorosa, então em determinados momentos os interesses de Genie ficam em segundo lugar, por outro lado se apenas queremos ajudar então a pesquisa fica comprometida."
Pois bem, numa primeira análise perguntamos como é possível colocar a hipótese de não por os interesses de Genie sempre em primeiro lugar?
"Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade."
No entanto aceitamos que não é assim tão fácil responder a esta questão. Como futuros treinadores e professores, vamos ser confrontados com problemas semelhantes mais vezes do que aquelas que gostaríamos. Não estamos a falar de semelhanças no que diz respeito à gravidade do caso, mas sim sobre como escolher a melhor opção em determinadas situações.
Quantas vezes não vamos ter de colocar em segundo lugar os interesses do aluno ou atleta menos talentoso em prol da evolução do clube ou da turma?
É uma realidade demasiado complexa, não existem respostas diretas. Achamos que a única coisa que podemos fazer é construir uma filosofia de trabalho com base nos nossos valores e ideais que nos permita conviver com as nossas opções, mas que ao mesmo tempo seja flexível o suficiente para nos ajudar a alcançar os nosso objetivos.
Infelizmente no caso Genie não conseguimos deixar de pensar que algo correu demasiado mal. Falta de planeamento e organização? A verdade é que o final ficou muito longe de ser "feliz", o resultado da investigação não foi conclusivo, os fundos acabaram e Genie voltou a ser vítima de maus tratos pelas famílias adotivas por onde passou e regrediu para o estado inicial. Genie chegou mesmo a desenvolver um novo medo. Após ter sido severamente castigada por ter vomitado passou a ter medo de abrir a boca, nem mesmo para falar, com receio de voltar a vomitar e ser novamente punida.
Uma história que não podemos esquecer.

Vamos agora voltar ao tema inicial: Hereditariedade ou Meio?

Após a visualização do documentário e de tudo o que abordamos na aulas, achamos que esta questão não pode ser mais colocada desta forma. Ambos são determinantes no desenvolvimento da personalidade do ser humano e estão interligados de uma forma demasiado complexa, que já não faz sentido tentar perceber qual é que contribui mais.
Podemos por exemplo ver neste artigo da BBC que o meio ambiente pode mesmo provocar alterações a nível genético, que por sua vez vão condicionar o nosso comportamento no futuro. Esta questão foi também colocada no documentário, onde se sugeriu a hipótese de o possível atraso mental de Genie ter sido causado devido à falta de estimulo e afeto nos primeiros anos de vida. Por outro lado, existem casos extremos como é o exemplo da doença de Huntington, onde um único gene tem um efeito determinante no comportamento de uma pessoa. No entanto, na maioria dos casos, os fatores hereditários definem tendências ou potencialidades para determinado comportamento ou característica se desenvolver, mas os estímulos do meio fazem com que essas tendências se verifiquem ou não, de uma forma mais ou menos evidente. Por exemplo um filho de um culturista pode ter devido à sua herança genética um enorme potencial para desenvolver força e massa muscular, no entanto se o meio não lhe proporcionar uma boa nutrição e treino adequado, essas características nunca se irão desenvolver.
Um dos temas centrais de pesquisa no caso Genie tentava explicar a existência ou não de um período critico para adquirir uma linguagem. Esta teoria defende que existe um tempo máximo até à puberdade para adquirir uma gramática universal entre outras skills. Se tal não acontecer, por falta de estimulo do meio, a pessoa até pode vir a adquirir algum vocabulário mas será incapaz de construir frases gramaticalmente corretas. O estudo não foi conclusivo, mas de facto embora Genie conseguisse adquirir algum vocabulário nunca foi capaz de construir frases corretas. Esta ideia é bastante apoiada hoje em dia, e até se defende a existência de um período sensível para adquirir uma segunda linguagem.

A nossa inteligência esta "escrita" nos nossos genes?

Quando se fala em hereditariedade e meio, um dos temas mais sensíveis talvez seja o desenvolvimento da inteligência. Existem vários estudos que demonstram influências de um e outro fator. 
Por exemplo o QI de crianças adotadas está mais próximo do QI dos seus pais biológicos do que dos seus pais adotivos. 
Por outro lado a média dos resultados em testes de QI aumentou um pouco por todo mundo ao longo das ultimas décadas. Como se trata de um curto espaço de tempo é pouco provável que se deva a alterações hereditárias, a explicação mais razoável é que este aumento se deva a alterações do meio tais como: melhor nutrição, melhores oportunidades de educação, informação muito mais acessível devido a evolução da tecnologia etc.
Mais uma vez achamos que não faz sentido tentar perceber qual destes dois fatores tem um papel mais importante. Ambos interagem entre si, e é o resultado desta interação que vai determinar o nível de inteligência de uma pessoa.

Fugindo um pouco ao tema, e uma vez que falamos sobre "nível de inteligência" de uma pessoa, não podemos deixar de expressar a opinião do grupo sobre o que define inteligência e sobre os testes de QI. Para esse efeito deixamos aqui um excerto de um texto publicado na edição do expresso de 15 de agosto de 2009:


"O que interessa é que todos temos talentos, capacidades, mais-valias, e que não é o QI que as mede, mas a assertividade, a resiliência, a força do querer, a vontade do aperfeiçoamento, a humildade de saber que não se sabe tudo mas que se pode saber um pouco mais, abrindo a porta também a mais ignorância que estimulará novas abordagens e pesquisas."
O neuropsicólogo Nelson Lima concorda. "Aquilo que faz uma criança revelar-se mais inteligente do que outra deve-se mais ao aproveitamento que saiba fazer dos seus recursos (capacidade de aprender, de motivar-se e de agir no e sobre o mundo) do que a mera exibição de raciocínios brilhantes."

Maturação e meio

Outro tema abordado nas aulas, e de especial importância para nós como futuros profissionais na área do desporto, foi o processo de maturação do ser humano. Maturação refere-se ao desenvolvimento do organismo do ser humano, e embora seja muito forte não deixa de ser influenciada pelo meio. Por exemplo Genie mesmo sem qualquer tipo de estimulo conseguia andar, no entanto não o fazia de forma normal. Neste caso a falta de estímulos comprometeu o desenvolvimento de Genie que provavelmente aprendeu a andar mais tarde do que seria esperado e ainda por cima não o fazia de acordo com o que é considerado normal.
No entanto é importante referir que tentar ensinar alguma habilidade para o qual uma pessoa ainda não esta preparada porque o seu organismo não atingiu o nível maturacional necessário também pode ser igualmente prejudicial.
É então importante saber de que forma é que maturação e aprendizagem se relacionam entre si, e qual o melhor momento para se tentar ensinar determinada habilidade, para evitar que um treino prematuro resulte em frustrações.

Conclusões gerais

Mais um tema de especial importância para o nosso futuro profissional.
Esta enraizado no senso comum a noção de que o talento no desporto, ou seja os fatores hereditários, desempenham um papel absoluto na performance dos atletas. Quando se fala em atletas de topo, como Ronaldo ou Messi, são várias as vezes que se ouvem expressões do género: "é algo que já nasce com ele". Esta ideia está obviamente errada. Já demos o exemplo de um filho de um culturista, que embora possa nascer com um enorme potencial para desenvolver massa muscular nunca o irá conseguir sem treino especifico.
É importante no entanto esclarecer que embora o que permite a atletas de topo alcançar o seu nível de proficiência não seja apenas a sua herança genética, o seu papel não pode ser ignorado já que são de facto os fatores hereditários aliados a um treino adequado que lhes permitem alcançar patamares tão elevados de qualidade.
Como profissionais do desporto é importante saber distinguir entre capacidades e habilidades. Como referência para esta publicação vamos definir habilidades como algo herdado geneticamente e que dificilmente pode ser alterado com o treino (capacidade de reação, ou velocidade máxima), e capacidades como algo que pode ser melhorado com a prática (força máxima). Ou seja, temos o dever de saber identificar os pontos fortes e fracos dos nossos atletas e alunos e saber oferecer o treino ideal com os estímulos adequados para que eles possam tirar partido das suas habilidades e melhorarem as suas capacidades, de forma a que combinando estímulos do meio (treino) e herança genética (habilidades) eles possam alcançar o seu máximo potencial na modalidade que escolheram.
É portanto da opinião do grupo que hereditariedade e meio estão intimamente interligados. Se por um lado fatores hereditários podem estabelecer alguns limites no desenvolvimento do ser humano e algumas tendências de comportamento, achamos que por outro lado o meio retira as fronteiras desses limites, e é a nossa interação com o mundo que nos permite ir para além do nosso potencial, ou ficar à margem de nós mesmos.

Sem comentários:

Enviar um comentário