segunda-feira, 4 de junho de 2012

Considerações Finais

Pois bem, o semestre chegou ao fim e está na altura de fazer o balanço final.
Na primeira publicação fizemos a nossa apresentação e definimos as nossas expectativas em relação a esta unidade curricular. Resta agora terminar da mesma forma que iniciamos, mas desta vez tentando explicar de forma breve o resultado de muitas horas de trabalho e estudo. De facto independentemente da avaliação de que iremos ser alvo, o mais importante, e aquilo que realmente podemos levar connosco será sempre o novo conhecimento gerado, que irá definir o nosso valor enquanto futuros professores e treinadores.

Bruno Silva:
O valor de ciências como pedagogia e psicologia para futuros professores independentemente da sua área de ensino está mais do que provado. No entanto na área do treino ainda existe um longo caminho a percorrer. Não querendo criticar competências (pois se existe alguém a ter de provar valor serei eu, já que estou em inicio de formação), acredito ser necessário quebrar com o modelo de treinador tradicional. Os atletas não podem continuar a ser vistos como meras "máquinas" que executam determinada habilidade, e os treinadores não podem continuar a usar metodologias de treino simplesmente porque resultaram com eles no passado enquanto antigos atletas.
Como deixei claro na minha apresentação acredito numa abordagem holística de treino, e essa ideia saiu reforçada com todos os conteúdos expostos em psicologia do desenvolvimento. Se no treino com adultos é importante ter em consideração as características individuais de cada atleta, de forma a proporcionar boas situações de aprendizagem e bons níveis de motivação, no treino com crianças e jovens este aspeto torna-se ainda mais evidente.
Após tudo o que aprendi ao longo deste semestre torna-se ainda mais claro que para o treino com crianças ser eficaz, é necessário ter em consideração o seu nível de desenvolvimento real (físico e cognitivo), bem como seu nível de desenvolvimento potencial enquadrado com a sua faixa etária. Por outro lado não faz sentido a especialização precoce em determinado desporto, já que a criança precisa desenvolver todas as suas capacidade motoras.
Para terminar é de enorme importância quando se trabalha com crianças, não orientar o treino para a competição já que isso irá provocar enorme pressão e ansiedade, e vai afastar aqueles que devido a fatores maturacionais por exemplo, ainda não possuem habilidades e capacidades suficientes para ter "sucesso". Ao permitir e insistir neste tipo de formação estaremos a contribuir para a redução de auto-estima e de motivação para continuar na atividade.
A psicologia do desenvolvimento não oferece receitas milagrosas para lidar com os problemas que surgem no treino, no entanto acredito que ter alguma sensibilidade perante os processos psicológicos e os seus respetivos efeitos me pode ajudar a tomar decisões mais acertadas quando iniciar a minha vida profissional, e contribuir de forma positiva para o desenvolvimento dos atletas que se cruzarem comigo.

Envelhecimento: Mudanças fisicas e cognitivas

Já abordamos neste blog o desenvolvimento físico/cognitivo desde o nascimento até à adolescência, bem como alguns dos aspetos que intervêm no desenvolvimento da personalidade do ser humano. Falta agora falar um pouco sobre o processo de envelhecimento e das suas consequências.
Como já se pôde compreender por tudo o que foi exposto neste blog, os fatores intervenientes no  desenvolvimento humano são bastante complexos, e o envelhecimento não vai ser exceção.
O envelhecimento é um processo biológico que resulta do limite de divisões que uma célula suporta. Atingido esse limite a célula morre e por esse motivo os nossos tecidos e por consequência o nosso organismo vai-se deteriorando com a idade.
É um processo que depende de fatores genéticos e ambientais, e por esse motivo não ocorre de igual forma em todos nós. No entanto é algo pelo qual todos teremos de passar independentemente da nossa vontade.
O envelhecimento afecta-nos das mais variadas formas, seja a nível físico ou cognitivo. Aparentemente até a nossa perceção de tempo é alterada. Por exemplo, foram feitas experiências onde se cronometrava a perceção que jovens e idosos tinham de um minuto, e os jovens terminavam a sua contagem antes do minuto ter passado, já os idosos terminavam depois do minuto ter terminado. Ou seja as pessoas mais velhas marcam o tempo mais devagar, o que significa que o mundo à sua volta parece começar a andar "à sua frente".
Vamos então tentar perceber de que forma é que o envelhecimento afeta as capacidades físicas, cognitivas, bem como o bem estar emocional do ser humano.
Em primeiro lugar achamos importante referir alguns dos estereótipos mais comuns relacionados com os idosos, sendo eles:
  • Os idosos não são sociaveis e não gostam de se reunir
  • Gostam de jogar as cartas uns com os outros
  • Fazem raciocínios senis
  • São pessoas doentes que tomam muita medicação
  • São frágeis para fazer exercício físico
  • Divertem-se e gostam de rir
É importante por fim a estes estereótipos, já que não só transmitem uma ideia errada do processo de envelhecimento, mas também contribuem para o isolamento da população mais envelhecida. Para que isso seja possível nada melhor do que passarmos para os factos.

Mudanças físicas

Os aspetos mais visíveis são o aparecimento de cabelos brancos e rugas, perda de massa muscular, bem como diminuição da capacidade de visão e audição. A velocidade de reação e a coordenação também podem diminuir.
Até aqui nada de novo, todos sabemos que o envelhecimento provoca um declínio gradual das nossas capacidades físicas, mas será que essas mudanças não podem ser atenuadas? Já voltaremos a esta questão.

Mudanças cognitivas

Ao contrário das mudanças físicas e ao que normalmente se pensa, o declínio cognitivo não é substancial, podendo mesmo haver algumas áreas em que o desempenho pode melhorar (ex. vocabulário).
Os processos cognitivos tornam-se mais lentos, no entanto isto não significa que haja redução de capacidade, já que quando confrontados com a população mais jovem a única diferença está no tempo de execução e não no resultado final dos testes. Ou seja a diferença é quantitativa e não qualitativa, e com o treino essa perda de velocidade pode mesmo ser compensada e muitas vezes recuperada.
No que diz respeito à memória os idosos têm de facto menor capacidade de reter informação, no entanto mais uma vez não foram encontradas diferenças muito significativas.
Uma característica positiva do envelhecimento é o desenvolvimento de uma memória mais seletiva. Foram feitos testes, onde se pedia a jovens e idosos que observassem uma série aleatória de imagens, muitas delas com cargas emocionais diferentes. Os jovens conseguiam reter a maior parte das imagens, já os idosos não sendo capazes de reter tanta informação, tinham tendência para reter as imagens com uma carga emocional positiva. Ou seja com a idade começamos a reter a informação mais interessante e mais significativa para as nossas vidas.

Mudanças emocionais

No que diz respeito ao plano emocional não existe nenhuma tendência definida. Como já discutimos na teoria de desenvolvimento psicossocial de Erikson na publicação anterior, o ajustamento saudável a todas as mudanças impostas pelo envelhecimento depende de uma evolução positiva da nossa personalidade, do nosso "self", que se inicia com o nascimento e apenas termina com a nossa morte.

Conclusões Gerais

Em primeiro lugar é importante destacar que envelhecimento não é uma doença, mas sim um processo natural de todos os seres vivos. É necessário lutar contra preconceitos e contrariar estereótipos promovendo um estilo de vida saudável e ativo ao longo de todas as fases da nossa vida.
Como explicamos nesta publicação, a capacidade de aprendizagem não se perde com o envelhecimento desde que se faça uso continuo das nossas capacidades cognitivas. Ao mesmo tempo, e agora mais relacionado com a nossa área, o declínio das nossas capacidades físicas pode ser atenuado com a prática regular e adequada de exercício físico.
Os benefícios do desporto são enormes e verificam-se em várias dimensões. Estudos com idosos demonstram melhorias na capacidade física, que por sua vez possibilitam uma maior autonomia e por consequência melhoram a auto-estima e a qualidade de vida em geral. Sendo o desporto um acto social, também promove a interação entre a população, melhorando assim as suas capacidades cognitivas e sociais, que resultam numa satisfação com a vida lutando contra o isolamento.
Para que estes benefícios sejam alcançados é no entanto necessário compreender as motivações que levam os idosos a praticar desporto, que na sua maioria prende-se com o acto social em si e não com o rendimento. No entanto relembramos que não existem fórmulas no desporto e é necessário estar atento às necessidades individuais de cada um de forma a evitar o afastamento.

Para terminar e tentar quebrar de vez com os estereótipos enraizados na nossa sociedade, deixamos um dado estatístico interessante e ao mesmo tempo preocupante, e que temos o dever de tentar mudar:
"60% dos idosos não têm limitações físicas para a pratica de atividade física... mas só 3% pratica exercício físico com assiduidade!"

Erikson - Desenvolvimento Psicossocial

Á semelhança do que foi feito na publicação anterior vamos analisar outra teoria de desenvolvimento humano, desta vez a teoria de desenvolvimento psicossocial de Erik Erikson.
Erikson era amigo próximo da família de Freud e de certa forma pode mesmo ser considerado seu discípulo já que a sua teoria herda muitos dos aspetos inovadores introduzidos por Freud, tais como a importância da infância no desenvolvimento do indivíduo, bem como a existência do inconsciente que influencia o comportamento do ser humano. No entanto desmarca-se deste na medida em que faz uso de um conceito mais amplo de desenvolvimento.
Para Erikson a formação da personalidade não pode ser explicada apenas como produto da sexualidade (ver conceito de sexualidade usado na publicação anterior) e das relações familiares, nem termina na adolescência, prolongando-se ao longo de toda a vida. Erikson apresentou assim um modelo de desenvolvimento que considera o Homem como um ser social, influenciado não só pela família mas também pela sociedade, pela cultura e pela relação de pares.
A teoria psicossocial de Erikson é organizada por oito estádios. A passagem por cada estádio é sucessiva mas não tem uma idade cronológica fixa, pois cada individuo tem o seu próprio ritmo de evolução. Cada estádio é marcado por uma "crise", que não tem necessariamente uma conotação dramática, apenas significa um ponto de passagem onde o desenvolvimento segue determinado rumo. A resolução destas crises vai reforçar ou ou enfraquecer o ego definindo assim os traços positivos e negativos da nossa personalidade ao longo da vida.
Para Erikson não existe fixação em nenhuma idade, e se por um lado a forma como cada crise foi resolvida em determinado estádio vá influenciar a passagem pela fase seguinte, por outro lado o ser humano pode passar por experiências positivas ou negativas que contrariem as vivências tidas em estádios anteriores. Dando a entender que a formação da personalidade é um processo dinâmico de ajustamento à vida.

1º Estádio - confiança/desconfiança (0 - 18 meses):
Questão chave - "O meu mundo social é previsível e protetor?"
Neste estádio a relação com a mãe é fundamental e determinante na resolução do conflito. Se a relação for positiva, ou seja com bastante afeto a criança vai-se sentir segura e confiante em si e no mundo. Se por outro lado a relação for negligenciada a criança vai-se sentir insegura.
Erikson mais tarde refinou o seu modelo e referiu que o excesso do reforço positivo pode resultar numa criança demasiado crédula e mimada.
Virtude - Esperança

2º Estádio - autonomia/vergonha e duvida (18 meses - 3 anos):
Questão chave - "Serei capaz de fazer as coisas sozinho ou precisarei da ajuda dos outros?"
Nesta fase a criança começa a ganhar algum controlo e autonomia. É nesta idade que começa a explorar de forma mais ativa o seu mundo. Tem vontade de experimentar e exercitar as suas atividades motoras (correr, saltar, agarrar etc) e começa por exemplo a aprender os hábitos de higiene (usar a casa de banho).
É importante uma educação equilibrada nesta fase, se por um lado um educação bastante rígida que retire a autonomia à criança vai gerar nesta sentimentos de vergonha, por outro lado exigir dela algo para o qual ainda não esta preparada, resultando no fracasso, vai gerar nesta sentimentos de duvida. A criança deve portanto ser incentivada a explorar as suas habilidades de forma equilibrada e deve receber assistência sempre que necessário para não se sentir demasiado exposta. Ou seja deve ser trabalhado um sentimento de auto-controle sem perda de auto-estima.
Virtude - Força de vontade

3º Estádio - iniciativa/culpa (3 - 6 anos):
Questão chave - "Sou bom ou sou mau?"
Este estádio corresponde ao período fálico de Freud. A criança é muito ativa nesta fase, o seu principal propósito é brincar, e a confiança e autonomia que foi adquirindo nos estádios anteriores permitem-lhe agora perseguir os seus objetivos. No entanto muitos desses objetivos (brincadeiras e fantasias) não são aceites socialmente e vão contra as regras que ela já começa a aprender, o que pode gerar sentimentos de culpa. É muito importante dosear bem a punição nesta fase, os pais não podem ser impacientes pois uma educação demasiado severa vai criar sentimentos de culpa, que mais tarde resultam numa pessoa receosa e sem iniciativa. É importante que os pais participem nas brincadeiras das crianças para que elas se sintam valorizadas. Ao mesmo tempo as crianças nesta fase também gostam de ajudar os adultos nas suas tarefas (arrumar a casa etc), ao participarem nestas atividades as crianças vão desenvolver sentimentos de responsabilidade.
Virtude - Tenacidade

4º Estádio - industria/inferioridade (6 - 12 anos):
Questão chave - "Serei competente ou incompetente?"
Este estádio ocorre mais ou menos na mesma fase em que a criança inicia a aprendizagem sistemática na escola formal. As competências adquiridas nas três fases anteriores (confiança, autonomia, iniciativa), vão permitir uma boa resolução da crise deste estádio, já que a criança vai sentir prazer no trabalho que está a realizar. Por outro lado uma má resolução nos estádios anteriores irá provavelmente prejudicar a aprendizagem nesta fase tornando-a alvo de criticas por parte dos pares, o que resulta num sentimento de inferioridade.
Virtude - Competência

5º Estádio - identidade/confusão de identidade (12 - 18/20 anos):
Questão chave - "Quem sou eu, e o que vou fazer da minha vida?"
Erikson dá especial importância a esta fase, pois é nesta idade que o adolescente define o seu papel na sociedade e se assume como um individuo com características especificas que o tornam único. A interação social assume uma enorme importância nesta fase, pois só experimentando vários papeis e pondo em causa os seus próprios valores, é que o adolescente vai perceber quem é e no que se quer tornar. A relação de pares tem uma grande influência na construção da identidade, o adolescente procura ser aceite no grupo de amigos e percebe que existem determinados "pré-requisitos" para que isso seja possível.
A identidade só fica definida quando o adolescente se vê como um ser único e que essa unicidade é reconhecia pela sociedade adulta.
Virtude - Lealdade/Fidelidade

6º Estádio - intimidade/isolamento (18/20 - 30/35 anos):
Questão chave - "Deverei partilhar a minha vida com alguém, ou deverei viver sozinho?"
Uma boa resolução no estádio anterior facilita a resolução da crise desta fase. Se o jovem adulto tiver um identidade bem definida será mais fácil identificar-se com um par. No entanto isto não é suficiente pois embora a sua identidade não seja comprometida nesta fase, este tem de reconhecer as diferenças do par aceitando os seus defeitos, e por vezes fazer mesmo algumas alterações e ajustamentos no seu comportamento, de forma a estabelecer um compromisso atingindo assim a verdadeira intimidade.
Quando o individuo não consegue estabelecer esta intimidade corre o risco de se fechar em si próprio e cair no isolamento.
Virtude - Amor/Afiliação

7º Estádio - generatividade/estagnação (30/35 - 65 anos):
Questão chave - "Produzirei algo com valor, útil para mim e também para os outros?"
É neste estádio que por vezes ocorre a famosa crise da "meia idade". O adulto começa a preocupar-se com o que pode passar para a sociedade, seja através da educação dos filhos ou do resultado do seu trabalho. Se tudo correr bem o adulto sente-se bem por ter uma mensagem a passar para gerações seguintes e transforma-se num empreendedor, em caso de uma má resolução desta crise o sujeito acaba por estagnar centrando-se apenas no seu bem estar a em valores superficiais.
Virtude - Produção/Cuidado

8º Estádio - integridade/desespero (a partir dos 65 anos):
Questão chave - "Valeu a pena viver?"
O ultimo estádio de desenvolvimento humano. É feito o balanço de tudo o que foi feito e de tudo o que ficou por fazer. Nesta altura já não sobra muito tempo para mudanças ou perseguição dos sonhos. Se o balanço for positivo surge a sensação de vida preenchida, de que tudo valeu a pena e a missão foi cumprida. Por outro lado se o balanço for negativo e devido à falta de tempo para começar de novo surge um vazio e um sentimento de vida desperdiçada, dando lugar ao desespero.
Virtude - Sabedoria

Conclusões Gerais

Certamente que todos queremos uma sociedade constituída por indivíduos confiantes, autónomos e com capacidade de iniciativa, que encontrem o seu espaço no meio onde vivem, que saibam respeitar o próximo sem preconceitos e que contribuam de forma ativa e empreendedora para o desenvolvimento do mundo em que vivemos. Pois bem, Erikson atribuiu ao ego todos estes valores universais e ao considerar o desenvolvimento da personalidade humana como sendo de ordem psicossocial, significa que todos nós por um lado já  temos alguma influência na formação da personalidade das pessoas com quem nos relacionamos, mas como futuros treinadores/professores iremos ter uma responsabilidade acrescida nesse processo.
É importante no nosso clube ou na nossa escola saber identificar em que fase é que os nossos alunos/atletas se encontram e tentar proporcionar um ambiente positivo para o enriquecimento do ego. Por exemplo vamos imaginar que estamos a trabalhar com crianças entre os 6-12 anos, talvez a maioria dos treinadores comece mesmo por esta faixa etária, é importante promover um sentimento de competência para que o conflito interior desta idade seja bem resolvido e a entrada na adolescência esteja facilitada. Para que isto seja possível já sabemos que temos de proteger a criança das criticas dos colegas não exigindo dela algo para o qual ainda não está preparada, e propor-lhe exercícios com um grau de complexidade adequada de forma a que ela possa ver a sua própria evolução e sentir-se capaz, competente e com valor.
O desporto como acto social assume um papel importante na formação da personalidade do ser humano. Os atletas não são máquinas e por esse motivo o treino não pode ser igual para todos. Não pode haver mais lugar para o treinador que apenas se preocupa com o rendimento desportivo dos seus atletas, ignorando as consequências que os seus métodos de treino podem ter no desenvolvimento do ser humano.

Freud - Desenvolvimento Psicossexual

Esta publicação será dedicada ao trabalho de Sigmund Freud. Em primeiro lugar vamos fazer um pequeno enquadramento social da época em que Freud apresentou a sua teoria para o leitor compreender melhor toda a polémica gerada pelo "pai" da psicanálise.
Freud nasceu a 6 de Maio de 1856 e nesta época não era dada muita importância à criança por parte da sociedade. A taxa de mortalidade infantil era muito elevada, e portanto a morte de uma criança embora causasse obviamente dor era vista como "normal". Isto pode parecer um choque nos dias de hoje mas a verdade é que era normal as famílias terem muitos filhos porque já "sabiam" que alguns iam morrer. Por esse motivo e talvez como mecanismo de defesa, era comum existir um certo distanciamento da criança, ou seja, o investimento nas crianças não era muito grande e a afetividade também não. Por todos estes motivos não haviam grandes estudos sobre crianças e elas eram vistas como pequenos adultos, simplesmente mais frágeis. A infância era uma espécie de período de incubação.
Foi neste contexto que surgiu Freud que passou a atribuir importância à criança, pois considerava que a repressão da sexualidade infantil estava na origem das neuroses em adulto. Ou seja Freud não só considerava que a infância era importante e ia determinar o desenvolvimento e comportamento do adulto, mas também afirmou pela primeira vez a existência de sexualidade infantil. Facilmente se consegue imaginar toda a polémica que Freud gerou na sociedade e na comunidade cientifica em geral.
É importante esclarecer no entanto que para Freud este conceito de sexualidade não esta estritamente relacionado com o acto sexual em si (através dos órgãos genitais), mas sim com a busca de prazer por parte do ser humano. Vamos então usar a terminologia de Freud nesta publicação, definindo sexualidade como toda a atividade pulsional que tende a uma satisfação, e genitalidade como fazendo parte da sexualidade e que se inicia com a puberdade. Aliás para Freud as zonas erógenas do ser humano vão variando ao longo da idade, mas já voltaremos a esse assunto com maior pormenor quando falarmos sobre os estádios de desenvolvimento psicossexual.

As duas tópicas do psiquismo humano

Freud não introduziu apenas o conceito de sexualidade infantil, foi também responsável por uma nova conceção do Homem. O ser humano antes de Freud era visto como um ser racional em total controlo dos seus impulsos, no entanto segundo a sua teoria esta relação entre o Homem e os seus desejos, de origens principalmente sexuais e agressivas, não era assim tão pacifica. Na realidade para Freud o que define o comportamento humano é o seu inconsciente, onde ocorre um processo complexo de equilibração entre os seus impulsos e aquilo que é socialmente aceite. Este processo origina obviamente repercussões a nível da saúde mental.
Freud apresenta desta forma o inconsciente como o aspeto mais significativo para explicar o comportamento humano e formula duas teorias que explicam a composição do psiquismo humano, sendo elas a Teoria Topográfica, e a Teoria Estrutural.

1ª Tópica: Consciente; Pré-consciente; Inconsciente (Teoria Topográfica)


O consciente é a parte visível do icebergue e representa aquilo que é controlado pelo ser humano. É o nosso contacto com o mundo exterior e é responsável pelos raciocínios, pelos pensamentos, pela nossa perceção etc. Podemos aceder ao consciente de forma voluntária através de introspeção. Normalmente o nosso consciente está em constante oposição com o inconsciente.


O pré-consciente é a porta de passagem entre o inconsciente e o consciente. Tem uma ação fundamental no equilíbrio psicológico do sujeito, já que é este sistema que filtra o que pode passar do inconsciente para o consciente recalcando os comportamentos considerados inaceitáveis do ponto de vista social.

O inconsciente representado pela parte submersa do icebergue é a zona do psiquismo que exerce maior influência no comportamento humano. É uma zona de impulsos primitivos onde não existe valor moral, não existe noção de tempo, nem de "bem" ou "mal". Nele estão depositadas todas as tendências e desejos humanos cujo o único objetivo é a satisfação imediata.

2ª Tópica: Ego; Superego; ID (Teoria Estrutural)



O id é de natureza biológica e instintiva, está ligado a impulsos como fome ou sexualidade e está presente à nascença tendo como objetivo a sobrevivência. É uma zona inconsciente e por esse motivo rege-se pelo principio do prazer e herda todas as características que referimos quando explicamos o conceito de inconsciente exposto na 1ª tópica.


O ego começa a desenvolver-se por volta dos 6 meses de vida e resulta da oposição do que é real e possível aos instintos do id. É uma instância psíquica que funciona como mediador entre os nossos instintos básicos e as exigências do meio pois baseia-se em princípios lógicos e reais. Ou seja o ego orienta a sua atividade pelo principio do prazer, mas ao mesmo tempo tem em consideração os limites impostos pelo real e pelo que é socialmente aceitável. Se for necessário pode mesmo através de mecanismos de defesa "suprimir" algumas das pulsões do id que podem ser perigosas para a sua auto-conservação. Um bom ego é fundamental para uma boa saúde mental.

O super-ego representa os valores morais e os códigos de ética. Resulta das regras e proibições impostas pelos pais e começa a ser formado a partir dos 3/5 anos. Ao contrário do id, o super-ego é de origem social, e tem como função opor-se aos impulsos socialmente inaceitáveis que surgem do id, e ao mesmo tempo pressiona o ego para seguir objetivos morais.

Estádios de desenvolvimento psicossexual

Freud definiu cinco estádios de desenvolvimento da personalidade que decorrem desde o nascimento até à adolescência. A passagem por estes estádios é sequencial, e cada um centra-se numa determinada zona erógena. O desenvolvimento da personalidade estaria relacionado com as experiências emocionais vividas em cada estádio, ou seja, uma má resolução dos principais desafios proporcionados em cada fase pode resultar numa fixação na mesma, provocando perturbações psicológicas que se irão sentir na idade adulta.

Estádio Oral (desde o nascimento até os 18 meses/ 2 anos):
A zona erógena deste estádio é a boca. A alimentação é uma grande fonte de prazer e por esse motivo a interação com a mãe é determinante no seu desenvolvimento futuro. É também neste estádio que se começa a desenvolver o ego e o principal conflito neste nesta fase é o desmame. Segundo Freud uma boa resolução deste estádio promove a confiança, e uma fixação pode explicar um excesso de procura de gratificação oral como fumar.

Estádio Anal ( 2-4 anos):
A zona erógena neste estádio é a região anal. O prazer nesta fase esta relacionado com o acto de reter/libertar as fezes e é nesta idade que se inicia a aprendizagem de hábitos de higiene. O conflito vivido pela criança resulta mesmo do processo de aquisição destas regras. De certa forma é aqui que se inicia a criação do super-ego já que a criança hesita entre ceder ou opor-se as regras de higiene impostas pelos pais. É importante uma equilibrada educação da criança nesta idade de forma a promover uma boa resolução deste estádio, já que a fixação nesta fase pode ser provocada pelo excesso/falta de rigor no "treino de casa-de-banho" podendo resultar em comportamentos de ordem compulsiva no retentivo-anal, ou por outro lado desordem e desarrumação no expulsivo-anal.

Estádio Fálico (3/4 - 5/6 anos):
A zona erógena deste estádio é a zona genital. É a fase do exibicionismo, onde a criança se apercebe da diferença que existe entre o corpo dos rapazes e das raparigas, e obtém prazer a tocar nos órgãos genitais. O conflito vivido nesta idade é muito intenso e é conhecido por complexo de édipo/electra. O rapaz sente-se atraído pela mãe e vê o pai como um rival sentindo ódio por ele. No entanto acredita que o sentimento é mutuo e teme a punição por parte do pai na forma mais severa possível: a castração. O temor inconsciente que Freud chama de "ansiedade de castração" provoca o recalcamento deste sentimento incestuoso e ativa um mecanismo de defesa denominado identificação. Por esse motivo o rapaz passa a identificar-se com o pai tentando imitar os seus comportamentos e começa assim a desenvolver a sua masculinidade. As raparigas passam por um processo semelhante, na resolução deste conflito.
Freud também refere que o ódio sentido pelo progenitor do mesmo sexo para além do medo de retaliação, também cria um sentimento de culpa na criança que contribui para o desenvolvimento do super-ego que sai reforçado nesta fase.

Estádio de latência (5/6 anos - puberdade):
Em oposição ao período fálico a criança passa nesta fase por um processo de amnésia infantil. As experiências emocionais vividas nos primeiros anos de sexualidade estão reprimidas, libertando assim a criança da pressão dos impulsos sexuais. Este estádio é então caracterizado pela atenuação da atividade sexual e pelo aumento do interesse da criança no desenvolvimento das suas capacidades sociais e intelectuais. É importante também salientar que o aparelho psíquico (id; ego; super-ego) se encontra completamente formado nesta fase.

Estádio genital (depois da puberdade):
Este é o ultimo estádio de desenvolvimento psicossexual. Devido à maturação biológica e à produção de hormonas sexuais a sexualidade desperta com grande intensidade. Nesta fase é reativado e resolvido o complexo de édipo/electra, mas desta vez é feito de forma realista e as escolhas sexuais são feitas segundo a norma social e fora do âmbito familiar. É importante referir que em oposição aos estádios anteriores em que a sexualidade da criança era auto-erótica, ou seja, tinha como fim apenas o seu próprio prazer, neste estádio desenvolve-se o desejo da gratificação sexual mútua bem como a capacidade de amar.

Conclusões Gerais

Talvez o aspeto mais importante na teoria de Freud para nós enquanto futuros treinadores/professores, seja mesmo a sua nova conceção de Homem como um ser fortemente influenciado pelos seus impulsos que têm origem no inconsciente. A sua teoria pode ser muito contestada, pode ser alvo de muitas restrições e os conceitos podem mudar de nome, no entanto o fenómeno propriamente dito permanece real.
O ser humano é de facto influenciado pelo seu inconsciente, e faz uso de mecanismos de defesa para lidar com o meio e ultrapassar situações que lhe causam desconforto como a ansiedade.
Crises emocionais provocadas por irritação/raiva, medo/ansiedade ou até mesmo vergonha e frustração são muito comuns em todas as pessoas, e ao influenciar o comportamento do ser humano vão também influenciar de forma determinante o seu rendimento no treino/competição por exemplo.
Compreender a necessidade de equilibração entre os nossos impulsos e a realidade, pode ajudar a compreender melhor as nossas atitudes bem como as atitudes dos nossos alunos/atletas, e promover a criação de mecanismos de coping mais eficientes para ultrapassar os desafios com que somos confrontados.