Esta publicação será dedicada ao trabalho de Sigmund Freud. Em primeiro lugar vamos fazer um pequeno enquadramento social da época em que Freud apresentou a sua teoria para o leitor compreender melhor toda a polémica gerada pelo "pai" da psicanálise.
Freud nasceu a 6 de Maio de 1856 e nesta época não era dada muita importância à criança por parte da sociedade. A taxa de mortalidade infantil era muito elevada, e portanto a morte de uma criança embora causasse obviamente dor era vista como "normal". Isto pode parecer um choque nos dias de hoje mas a verdade é que era normal as famílias terem muitos filhos porque já "sabiam" que alguns iam morrer. Por esse motivo e talvez como mecanismo de defesa, era comum existir um certo distanciamento da criança, ou seja, o investimento nas crianças não era muito grande e a afetividade também não. Por todos estes motivos não haviam grandes estudos sobre crianças e elas eram vistas como pequenos adultos, simplesmente mais frágeis. A infância era uma espécie de período de incubação.
Foi neste contexto que surgiu Freud que passou a atribuir importância à criança, pois considerava que a repressão da sexualidade infantil estava na origem das neuroses em adulto. Ou seja Freud não só considerava que a infância era importante e ia determinar o desenvolvimento e comportamento do adulto, mas também afirmou pela primeira vez a existência de sexualidade infantil. Facilmente se consegue imaginar toda a polémica que Freud gerou na sociedade e na comunidade cientifica em geral.
É importante esclarecer no entanto que para Freud este conceito de sexualidade não esta estritamente relacionado com o acto sexual em si (através dos órgãos genitais), mas sim com a busca de prazer por parte do ser humano. Vamos então usar a terminologia de Freud nesta publicação, definindo sexualidade como toda a atividade pulsional que tende a uma satisfação, e genitalidade como fazendo parte da sexualidade e que se inicia com a puberdade. Aliás para Freud as zonas erógenas do ser humano vão variando ao longo da idade, mas já voltaremos a esse assunto com maior pormenor quando falarmos sobre os estádios de desenvolvimento psicossexual.
As duas tópicas do psiquismo humano
Freud não introduziu apenas o conceito de sexualidade infantil, foi também responsável por uma nova conceção do Homem. O ser humano antes de Freud era visto como um ser racional em total controlo dos seus impulsos, no entanto segundo a sua teoria esta relação entre o Homem e os seus desejos, de origens principalmente sexuais e agressivas, não era assim tão pacifica. Na realidade para Freud o que define o comportamento humano é o seu inconsciente, onde ocorre um processo complexo de equilibração entre os seus impulsos e aquilo que é socialmente aceite. Este processo origina obviamente repercussões a nível da saúde mental.
Freud apresenta desta forma o inconsciente como o aspeto mais significativo para explicar o comportamento humano e formula duas teorias que explicam a composição do psiquismo humano, sendo elas a Teoria Topográfica, e a Teoria Estrutural.
1ª Tópica: Consciente; Pré-consciente; Inconsciente (Teoria Topográfica)
O consciente é a parte visível do icebergue e representa aquilo que é controlado pelo ser humano. É o nosso contacto com o mundo exterior e é responsável pelos raciocínios, pelos pensamentos, pela nossa perceção etc. Podemos aceder ao consciente de forma voluntária através de introspeção. Normalmente o nosso consciente está em constante oposição com o inconsciente.
O pré-consciente é a porta de passagem entre o inconsciente e o consciente. Tem uma ação fundamental no equilíbrio psicológico do sujeito, já que é este sistema que filtra o que pode passar do inconsciente para o consciente recalcando os comportamentos considerados inaceitáveis do ponto de vista social.
O inconsciente representado pela parte submersa do icebergue é a zona do psiquismo que exerce maior influência no comportamento humano. É uma zona de impulsos primitivos onde não existe valor moral, não existe noção de tempo, nem de "bem" ou "mal". Nele estão depositadas todas as tendências e desejos humanos cujo o único objetivo é a satisfação imediata.
2ª Tópica: Ego; Superego; ID (Teoria Estrutural)
O id é de natureza biológica e instintiva, está ligado a impulsos como fome ou sexualidade e está presente à nascença tendo como objetivo a sobrevivência. É uma zona inconsciente e por esse motivo rege-se pelo principio do prazer e herda todas as características que referimos quando explicamos o conceito de inconsciente exposto na 1ª tópica.
O ego começa a desenvolver-se por volta dos 6 meses de vida e resulta da oposição do que é real e possível aos instintos do id. É uma instância psíquica que funciona como mediador entre os nossos instintos básicos e as exigências do meio pois baseia-se em princípios lógicos e reais. Ou seja o ego orienta a sua atividade pelo principio do prazer, mas ao mesmo tempo tem em consideração os limites impostos pelo real e pelo que é socialmente aceitável. Se for necessário pode mesmo através de mecanismos de defesa "suprimir" algumas das pulsões do id que podem ser perigosas para a sua auto-conservação. Um bom ego é fundamental para uma boa saúde mental.
O super-ego representa os valores morais e os códigos de ética. Resulta das regras e proibições impostas pelos pais e começa a ser formado a partir dos 3/5 anos. Ao contrário do id, o super-ego é de origem social, e tem como função opor-se aos impulsos socialmente inaceitáveis que surgem do id, e ao mesmo tempo pressiona o ego para seguir objetivos morais.
Estádios de desenvolvimento psicossexual
Freud definiu cinco estádios de desenvolvimento da personalidade que decorrem desde o nascimento até à adolescência. A passagem por estes estádios é sequencial, e cada um centra-se numa determinada zona erógena. O desenvolvimento da personalidade estaria relacionado com as experiências emocionais vividas em cada estádio, ou seja, uma má resolução dos principais desafios proporcionados em cada fase pode resultar numa fixação na mesma, provocando perturbações psicológicas que se irão sentir na idade adulta.
Estádio Oral (desde o nascimento até os 18 meses/ 2 anos):
A zona erógena deste estádio é a boca. A alimentação é uma grande fonte de prazer e por esse motivo a interação com a mãe é determinante no seu desenvolvimento futuro. É também neste estádio que se começa a desenvolver o ego e o principal conflito neste nesta fase é o desmame. Segundo Freud uma boa resolução deste estádio promove a confiança, e uma fixação pode explicar um excesso de procura de gratificação oral como fumar.
Estádio Anal ( 2-4 anos):
A zona erógena neste estádio é a região anal. O prazer nesta fase esta relacionado com o acto de reter/libertar as fezes e é nesta idade que se inicia a aprendizagem de hábitos de higiene. O conflito vivido pela criança resulta mesmo do processo de aquisição destas regras. De certa forma é aqui que se inicia a criação do super-ego já que a criança hesita entre ceder ou opor-se as regras de higiene impostas pelos pais. É importante uma equilibrada educação da criança nesta idade de forma a promover uma boa resolução deste estádio, já que a fixação nesta fase pode ser provocada pelo excesso/falta de rigor no "treino de casa-de-banho" podendo resultar em comportamentos de ordem compulsiva no retentivo-anal, ou por outro lado desordem e desarrumação no expulsivo-anal.
Estádio Fálico (3/4 - 5/6 anos):
A zona erógena deste estádio é a zona genital. É a fase do exibicionismo, onde a criança se apercebe da diferença que existe entre o corpo dos rapazes e das raparigas, e obtém prazer a tocar nos órgãos genitais. O conflito vivido nesta idade é muito intenso e é conhecido por complexo de édipo/electra. O rapaz sente-se atraído pela mãe e vê o pai como um rival sentindo ódio por ele. No entanto acredita que o sentimento é mutuo e teme a punição por parte do pai na forma mais severa possível: a castração. O temor inconsciente que Freud chama de "ansiedade de castração" provoca o recalcamento deste sentimento incestuoso e ativa um mecanismo de defesa denominado identificação. Por esse motivo o rapaz passa a identificar-se com o pai tentando imitar os seus comportamentos e começa assim a desenvolver a sua masculinidade. As raparigas passam por um processo semelhante, na resolução deste conflito.
Freud também refere que o ódio sentido pelo progenitor do mesmo sexo para além do medo de retaliação, também cria um sentimento de culpa na criança que contribui para o desenvolvimento do super-ego que sai reforçado nesta fase.
Estádio de latência (5/6 anos - puberdade):
Em oposição ao período fálico a criança passa nesta fase por um processo de amnésia infantil. As experiências emocionais vividas nos primeiros anos de sexualidade estão reprimidas, libertando assim a criança da pressão dos impulsos sexuais. Este estádio é então caracterizado pela atenuação da atividade sexual e pelo aumento do interesse da criança no desenvolvimento das suas capacidades sociais e intelectuais. É importante também salientar que o aparelho psíquico (id; ego; super-ego) se encontra completamente formado nesta fase.
Estádio genital (depois da puberdade):
Este é o ultimo estádio de desenvolvimento psicossexual. Devido à maturação biológica e à produção de hormonas sexuais a sexualidade desperta com grande intensidade. Nesta fase é reativado e resolvido o complexo de édipo/electra, mas desta vez é feito de forma realista e as escolhas sexuais são feitas segundo a norma social e fora do âmbito familiar. É importante referir que em oposição aos estádios anteriores em que a sexualidade da criança era auto-erótica, ou seja, tinha como fim apenas o seu próprio prazer, neste estádio desenvolve-se o desejo da gratificação sexual mútua bem como a capacidade de amar.
Conclusões Gerais
Talvez o aspeto mais importante na teoria de Freud para nós enquanto futuros treinadores/professores, seja mesmo a sua nova conceção de Homem como um ser fortemente influenciado pelos seus impulsos que têm origem no inconsciente. A sua teoria pode ser muito contestada, pode ser alvo de muitas restrições e os conceitos podem mudar de nome, no entanto o fenómeno propriamente dito permanece real.
O ser humano é de facto influenciado pelo seu inconsciente, e faz uso de mecanismos de defesa para lidar com o meio e ultrapassar situações que lhe causam desconforto como a ansiedade.
Crises emocionais provocadas por irritação/raiva, medo/ansiedade ou até mesmo vergonha e frustração são muito comuns em todas as pessoas, e ao influenciar o comportamento do ser humano vão também influenciar de forma determinante o seu rendimento no treino/competição por exemplo.
Compreender a necessidade de equilibração entre os nossos impulsos e a realidade, pode ajudar a compreender melhor as nossas atitudes bem como as atitudes dos nossos alunos/atletas, e promover a criação de mecanismos de coping mais eficientes para ultrapassar os desafios com que somos confrontados.
Bacana!
ResponderEliminarMuito bom
ResponderEliminarEstádios? Não seria fases ou estágios?
ResponderEliminarVery Nicy
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